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quinta-feira, 26 de abril de 2012

Entrevista a um militar que conheceu as ex-colónias portuguesas em África durante o período da guerra colonial

Germano Mesquita
Quais foram as ex-colónias africanas que conheceu e quais as que se encontravam em guerra com Portugal?
“Conheci Angola, Cabo Verde, Guiné e S. Tomé e Príncipe mas não conheci Moçambique.                      
Destas estavam em guerra Angola, Guiné e Moçambique.”
Qual a colónia onde esteve, em que período e porquê?
“Em comissão de serviço estive na Guiné no período de 1966 a 1968, porque entrei na marinha para cumprir o serviço militar, que naquele tempo era, no mínimo, de 4 anos e em 1966 fui mobilizado para a Guiné.”

 Porque é que havia guerra nessa altura?
“Naquela altura havia guerra porque no passado quase todo o continente africano tinha sido colonizado par vários países da Europa entre os quais Portugal (além de Espanha, França, Bélgica, Inglaterra e outros).
A maioria desses países nos anos 60 já tinham dado independência às suas respetivas colónias mas, Portugal, teimosamente, considerava as colónias africanas como “províncias ultramarinas” e parte integrante do nosso país. Ora os representantes dessas colónias pretendiam a independência das mesmas e então, formaram grupos de guerrilheiros que receberam apoio em instrução, dinheiro e material de guerra para combaterem as nossas tropas.

Pelos anos 1961, 1962 e 1963 esses grupos, instruídos e armados, iniciaram ataques às populações de cidades, vilas e aldeias que colaboravam com as autoridades portuguesas.
O nosso governo, na altura dirigido pelo Dr. Oliveira Salazar, mandou mobilizar tropas para as colónias em guerra, com vista a defender essas zonas onde havia ataques. Inicialmente, essa decisão pereceu-me correta e justa mas só devia ter durado o tempo suficiente para contactos diplomáticos e negociações com vista à independência dessas terras. Não tendo acontecido isso, a guerra prolongou-se por cerca de 13 anos com prejuízos elevados para a economia portuguesa.
Essa guerra só acabou com a revolução levada a cabo pelos militares em Portugal a 25 de Abril de 1974.”

Como viviam a populações dessas terras? Havia boas condições de vida?

“A grande maioria da população vivia miseravelmente quer nas cidades quer nas zonas rurais.
A Guiné nesse tempo (e infelizmente ainda hoje) era um território pequeno, pobre, pouco produtivo e mal administrado.
A população era (e ainda é) constituída por muitas “etnias” (espécies de tribos). Estas “etnias” não tinham grande interligação umas com as outras com exceção dos mestiços oriundos de Cabo Verde.
A marinha e a minha especialidade de Fuzileiro tinham grande importância na Guiné, pelo domínio dos rios e pela segurança às embarcações de comércio.

A população alimentava-se quase exclusivamente de arroz, de algum peixe, da carne de alguns dos seus animais domésticos e fruta (entre as quais banana, manga, papaia, laranja e abacaxi).

A mortalidade infantil era muito elevada devido a estas más condições de vida e a esperança média de vida daquelas pessoas oscilava entre os 45 e os 50 anos.”

Como conseguiam lá viver nesse tempo?
“A adaptação custou um pouco essencialmente devido ao clima (quente e húmido) principalmente na época de Verão e também às melgas e mosquitos que eram uma praga.
A alimentação era razoavelmente boa, tínhamos bons apoios da Marinha e tínhamos tido um bom treino em ambiente adverso; sabíamos o que era andar em pântanos e poupar água (2 litros por 24 horas para beber e para a higiene).
Fora da cidade tive duas situações que foram apenas exceções:
UMA DAS SITUAÇÕES - 3 meses numa ilha à saída do Atlântico, foz do rio Geba, fazíamos segurança à estação radionaval e ao farol para orientação dos navios.
Aí havia cerca de 12 famílias de nativos, nossos amigos, e a ilha tinha cerca de 300 metros de raio. Não havia guerra mas havia falta de alimento pelo que tínhamos de ir à caça às ilhas vizinhas.
OUTRA SITUAÇÃO - 5 meses na ilha Bolama. Era uma ilha europeia mas abandonada, no entanto tinha água excelente quer doce quer a do mar, quase transparente e com boa temperatura, havia fartura de peixe e o clima era ótimo e quase não havia mosquitos porque aí havia uma “comunidade de vampiros” ou seja, morcegos grandes, que de noite deles se alimentavam”.
Deu-se bem com essas condições? Sentiu saudades de casa e da sua família?
“Adaptei-me bem, só custaram os primeiros 2 meses devido ao clima. Estávamos bem preparados e mentalizados.
Senti saudades da família e amigos mas custou-me menos que à maioria dos meus camaradas militares.”
Durante o tempo que esteve na Guiné comeu alguma coisa que fosse fora do habitual?
“Sim, pode parecer estranho mas comi:
-Carne de macaco, sem saber o que era, foi uma brincadeira de mau gosto de uns meus amigos, mais velhos que eu.

-Carne de hipopótamo, que é semelhante à de bovino, pois é herbívoro. Comi por curiosidade e livre vontade.
-Carne de pelicano, por necessidade. Saímos numa missão com duração prevista de 8 dias nos rios e, por dificuldades, prolongou-se até 12 dias.
Como se tinham acabado os nossos alimentos tivemos de recorrer à apanha de peixes e à caça de aves marinhas, porque os nativos só tinha arroz e peixe seco que cheirava muito mal”.

Entrevista a Germano Mesquita (avô materno da aluna)
Madalena Silva 6ºI Nº18



                                                        


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